O Livro

3. A turma e a importância do trabalho coletivo

No seu primeiro filme possivelmente ninguém será profissional. Toda a turma será muito jovem e amadora. Seu primeiro desafio será chamar essa turma de equipe, depois que houver uma divisão de funções e responsabilidades. De qualquer maneira, ninguém vai trabalhar por dinheiro, e sim pelo prazer de fazer cinema. Talvez alguns já pensem em se profissionalizar, e, se o seu primeiro filme ficar bom, mais tarde vai ser bacana incluí-lo no currículo. É um lucro indireto bem interessante. De qualquer modo, é importante que todos – os que estão simplesmente brincando de fazer cinema e os que pretendem seguir carreira – trabalhem pelo sucesso do filme.

Se você perceber que alguém da equipe não pensa assim, é melhor considerar uma substituição. Já é complicado fazer um filme com pessoas bem-intencionadas. Quem quer sabotar o trabalho, ou simplesmente faz cara de saco cheio quando todo mundo está dando seu melhor, deve ser convidado a procurar algo mais divertido, bem longe dali. Que vá ver novela na TV, ou escrever bobagens no Facebook, mas que não estrague o set do seu filme. Set é o lugar onde você e sua equipe estão filmando. É um lugar sagrado, pelo menos enquanto a câmera está funcionando. Para ficar nele, é preciso merecer estar nele.

Se você tiver sorte, ou quem sabe alguns contatos em áreas próximas ao cinema, como o teatro ou a televisão, talvez sua equipe conte com algum profissional, quem sabe um ator, uma atriz, ou alguém que saiba operar a câmera. Ótimo. Essas pessoas podem ajudar bastante. Elas já fizeram coisas que você está fazendo pela primeira vez. Mas, atenção, os profissionais, quando são convidados, devem saber exatamente onde estão se metendo. Você tem que dizer que é o seu primeiro filme, que não há dinheiro (ou que há muito pouco dinheiro), e que a equipe é meio “verde”.

Atores e atrizes de teatro geralmente gostam de atuar em qualquer obra audiovisual, pois um filme, mesmo amador, amplia seus horizontes profissionais e pode servir como cartão de visita para trabalhos mais ambiciosos e melhor remunerados. Se você tratá-los bem e fornecer transporte e alimentação, pode estar criando uma parceria duradoura. Se o filme ficar bom, eles pedirão para trabalhar novamente. Se você tratá-los mal, ou o filme for um desastre, nem adianta convidar novamente.

Amadores ou profissionais, absolutos iniciantes ou cineastas multipremiados, todos os componentes da turma (ou equipe) estão integrados num trabalho coletivo e têm um objetivo comum: fazer um bom filme. A grande diferença entre uma turma e uma equipe é o seu nível de organização (e, quase sempre, também de hierarquia). Não conheço bons filmes feitos por uma turma (ou turba) absolutamente caótica e desorganizada. A anarquia é ótima no papel, mas os anarquistas, de modo geral, são pouco produtivos e ficam dando mil voltas no mesmo lugar antes de tomar uma decisão coletiva, geralmente errada.

Até acredito na anarquia como forma de criação para uma banda de punk rock, em que há uma divisão prévia de funções dada pelos instrumentos (ou pela ausência deles, no caso de um vocalista que só canta). Eu participei por muitos anos de uma banda chamada “Os Replicantes”, que nunca teve um líder estabelecido. Ninguém para dizer o que está certo e o que está errado numa melodia, ou se uma letra é boa ou ruim, ou se é melhor ensaiar mais um pouco ou fazer um campeonato de botão (também chamado de “futebol de mesa”). Simplesmente tocávamos juntos, trabalhávamos juntos nas músicas e nas letras que cada um trazia para os ensaios e, em caso de dúvida entre ensaiar mais um pouco ou fazer um campeonato de botão, fazíamos o campeonato de botão. O prazer imediato vem sempre antes no mundo do rock’n’roll.

Mas fazer um filme é diferente de fazer uma música de três minutos e quatro acordes. Em primeiro lugar, há pouca gente segurando um instrumento de verdade: o operador de câmera (com a própria), o técnico de som direto (com seu fone de ouvido e o gravador de som) e o microfonista (com a haste, também chamada de “boom”, que tem um microfone na ponta). O resto da equipe de vez em quando segura umas coisas que parecem meio sem graça, como claquetes e planilhas, ou arrasta móveis de lá pra cá. Talvez seu filme tenha um maquinista, e ele vai empurrar um carrinho que movimenta a câmera. E um eletricista, que vai lidar com os equipamentos de iluminação. Mas é só.

O resto da turma fica apenas andando de um lado para o outro e falando. Ou discutindo. Ou brigando terrivelmente pelas coisas mais idiotas, como a hora do almoço. Essas pessoas geralmente querem mandar nas pessoas que têm instrumentos e parecem estar usando os seus instrumentos de maneira errada, o que pode gerar mais discussões e brigas. Resumindo: uma equipe de cinema tem gente demais, fazendo coisas diferentes, e não há auto-organização anárquica que dê conta dessa confusão. Portanto, aqui vai meu primeiro mandamento realmente importante para o seu primeiro filme: QUANTO MENOS GENTE NA EQUIPE, MELHOR.

Em segundo lugar, fazer um filme quase sempre exige decisões mais complicadas do que fazer uma boa e velha canção de punk rock, que pode surgir num improviso do baterista com o baixista, em menos de cinco minutos. Não precisa haver uma combinação prévia entre eles. Eles simplesmente estão ali, ensaiando, tomaram umas cervejas e agora experimentam ritmos e melodias, vendo como elas se encaixam melhor. Depois vão chegar o vocalista e o guitarrista, e uma ideia de letra pode surgir. Uma equipe de cinema não pode simplesmente entrar num estúdio e tentar encaixar imagens e sons. A equipe precisa ter uma história para contar e estar organizada para que cada um contribua um pouquinho para construir essa história. Você pode argumentar: e se o objetivo não for contar uma história, e sim combinar sons e imagens de forma aleatória, mas bela? Eu respondo: nesse caso, você não quer fazer cinema, e sim vídeo-arte. Pare de ler este livro e procure bibliografia mais adequada. Ou então forme uma banda punk.

Mesmo documentários contemplativos sobre a grama crescendo, ou ficções experimentais que têm como personagens nuvens inteligentes, precisam:

  • (a) ter uma história previamente escolhida e formatada para virar um filme, o que no cinema chamamos de roteiro;
  • (b) trabalhar duro em função das dificuldades de contar essa história com imagens e sons, ou seja, desenvolver um esquema organizado de produção, que envolve muitas pessoas e processos;
  • (c) escolher, entre as milhares de possibilidade narrativas e estéticas, quais são as mais adequadas para cada momento do filme, ou seja, ter uma direção.

Vou tentar explicar quais são, na prática, as melhores maneiras de lidar com esses três itens no momento de formar a equipe do seu primeiro filme.

 

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