O Livro

4. Os três núcleos básicos da realização de um filme

Em meu primeiro filme, “Meu Primo”, três pessoas assinaram em conjunto a direção. No super-8 isso era bastante comum. Quem faz essas três coisas também pode ser chamado “realizador”, uma palavra que pode ser traduzido por “o cara que faz tudo que é mais importantes para um filme existir”. Eu e o Hélio Alvarez ganhamos o crédito pelo argumento, porque o roteiro (escrito pelo Nelson e pelo seu amigo Álvaro Teixeira) foi baseado numa ideia inicial do Hélio, que eu desenvolvi na forma de um conto, que nunca foi publicado.

Pra falar a verdade, o Nelson deveria ter os créditos exclusivos de direção, enquanto eu e o Hélio deveríamos ser considerados seus assistentes de direção. Mas é verdade que produzimos tudo juntos, planejando e executando as filmagens de forma coletiva. Contudo, o Nelson já assinava a fotografia e o roteiro. Ele foi bacana e dividiu a direção conosco.

E aqui vai a minha segunda dica para o seu primeiro filme: SEJA GENEROSO NA HORA DE DISCUTIR OS CRÉDITOS. Brigas por conta de vaidades pessoais acabam com filmes, com amizades e com empresas. Se você tentar definir exatamente o que cada um fez, medindo cada colaboração com uma fita milimétrica, você pode terminar com o filme antes que ele seja capaz de exibir os créditos iniciais.

Há um conjunto de créditos singular em “Meu Primo”, em que estão listados como “produtores associados” quase todos os membros da minha família: minha irmã mais velha, seu marido, meus três irmãos, suas esposas na época e meu pai. Todos eles ajudaram o filme colocando algum dinheiro. Não lembro a quantia, não era muito, talvez uns trezentos reais em dinheiro de hoje. Somadas, essas contribuições garantiram a compra de boa parte dos filmes virgens de super-8. Em troca, foram “imortalizados” nos créditos do filme.

Meu colega de universidade, o professor e cineasta João Guilherme Barone, defende a ideia de que há três elementos fundamentais na elaboração de um filme: o roteiro, a produção e a direção. Concordo com ele. Todos os membros da equipe são importantes, mas é em torno desses três núcleos que as pessoas se movimentam e exercem suas funções. Vou começar a organizar a equipe partindo dessa ideia, tentando manter as coisas no nível mais simples possível. Simplicidade é uma qualidade a ser perseguida em seu primeiro filme. Depois veremos como, partindo dessa organização básica, podemos chegar a uma equipe enxuta, mas completa.

  • (a) ROTEIRO – é a turma que desenvolve a história em sua forma cinematográfica. Quantas pessoas escrevem um roteiro? E como escrevem? Na literatura, quase sempre é apenas uma pessoa que cria e concretiza a história na forma de um conto ou um romance. Duplas são raras. Trios são quase inexistentes.

No cinema, entretanto, as colaborações são muito mais comuns. Alguém tem uma ideia para um filme e conversa com outra pessoa sobre essa ideia. Eles podem escrever juntos a primeira versão do roteiro. Ou combinar qualquer outra forma de trabalho coletivo, envolvendo mais pessoas. Numa novela de TV, é comum que haja um autor principal e um grupo de cinco ou seis roteiristas, que escrevem de acordo com as normas gerais traçadas pelo autor principal. Quando falarmos sobre o processo de roteirização voltaremos a esse tema.

Por enquanto é importante dizer que o roteiro, quando concluído, é o documento que permite a toda a equipe saber que filme será realizado. A história, escrita por uma, duas, três, ou até mais pessoas, agora está disponível para todos na forma de um guia preciso, que conta o que acontece, o que os personagens falam e em que ordem o filme será montado.

  • (b) PRODUÇÃO – é a turma encarregada de tocar todos os processos que transformarão o roteiro em filme. De certa forma, a direção também faz parte da produção, mas vamos mantê-la separada, por razões que logo ficarão claras. Produzir um filme envolve:

– analisar o roteiro, pensando nos recursos necessários para filmar cada cena;
– reunir esses recursos. No cinema profissional, é juntar dinheiro suficiente para cobrir um orçamento elaborado depois da análise do roteiro. No seu primeiro filme, talvez o dinheiro possa ser substituído por outras coisas. Mas, se você continuar produzindo, essa moleza vai acabar;
– formar a equipe e o elenco (atores e atrizes), pagando cachês ou oferecendo algum tipo de benefício alternativo;
– usar os recursos sabiamente, de modo que o filme seja concluído num prazo razoável;
– supervisionar todas as etapas de realização, o que inclui verificar se cada membro da equipe está desempenhando sua função corretamente;
– quando o filme estiver pronto, trabalhar para que ele seja visto pelo maior número possível de pessoas.

  • (c) DIREÇÃO – é a turma encarregada de tornar o filme bom. Ou ótimo. Ou excepcional. Uma obra de arte! Mas se o seu primeiro filme ficar simplesmente “bom” pode marcar a festa e convidar todo mundo. Eu pago a cerveja (ou o suco de laranja). A produção cria a possibilidade do filme existir. A direção tem a tarefa de fazer aquela mágica, aquele encantamento de que já falamos antes, de modo que o filme provoque risos, ou lágrimas, ou que pelo menos seja acompanhado com interesse até o fim. Sem direção, um filme não tem alma, é só um corpo que anda sem razão, um morto-vivo idiota que merece um tiro de misericórdia.

A grande esperança da produção é que a direção saiba aproveitar com talento todo o imenso esforço realizado para reunir todos recursos materiais, manter a equipe funcionando e o elenco adequadamente vestido e maquiado. A direção coordena o set e responde a todas as perguntas sobre o filme. Nada pode escapar ao seu olhar crítico e implacável.

Ela decide onde deve ficar a câmera em cada enquadramento e quanto tempo o plano deve durar. Ensaia os atores e é co-responsável pela qualidade de suas interpretações. Conversa com toda a equipe e supervisiona todos os detalhes da fotografia, dos cenários, dos figurinos, da maquiagem e, mais tarde, da montagem do filme. A equipe de direção tem uma tarefa gigantesca pela frente. Às vezes dá até pena desses pobres coitados. É bem mais fácil escalar o Everest.

Então, agora que você conhece um pouco sobre os três núcleos básicos da realização de um filme, tá na hora de perguntar: como planejar as coisas de modo que esses núcleos funcionem bem no seu primeiro filme? Vamos desdobrar cada núcleo e preenchê-los com gente, ou seja, com você e com seus companheiros cineastas.

 

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